"The BAT, the MAD, and the Ugly"

O BHQ+ foi conferir a sessão prévia de "Batman - O Cavaleiro das Trevas" para jornalistas. A crítica, você lê a seguir.

Um Batman denso, coeso e sério. Isso definiria bem a proposta do diretor Christopher Nolan para “Batman – O Cavaleiro das Trevas”. O novo longa retoma com maestria a proposta de um Homem-Morcego do mundo real iniciada em “Batman Begins”, de 2005. Os personagens da guerra ao crime de Gotham City se reencontram com o público e desta vez vêm acompanhados de duas figuras que são a chave da nova trama: Harvey Dent, o Duas-Caras, e o Coringa, a nemesi definitiva do herói.

O filme de de Nolan ganha pontos desde o primeiro minuto. A entrada dos personagens em cena é dinâmica e ágil. A fotografia retrata muito bem a sugestão de mundo real, proposta por Nolan e vale destacar a mudança do tom das cores. Se em "Batman Begins", a saturação tendia para o laranja, como numa mudança do dia para a noite, metáfora para o surgimento do Morcego a partir de Bruce Wayne; agora o tom é azul indicando noite completa com Batman em franca atuação. E um azul quase roxo é a cor das chamas que abrem o longa denunciando qual é o combustível da ação: o Coringa. A trilha sonora é incisiva e bem marcada. A tensão do tema do Morcego permeia o longa e cada clímax é esperado com mais ansiedade quando os sons de fundo denunciam sua chegada. Um dos destaques é o ato fúnebre do chefe de polícia. A tradicional gaita de foles toca um acorde penetrante que chega a fazer o espectador perder o fôlego antes que se siga mais uma das surpresas do Palhaço do Crime.

Atenção: Possíveis spoilers a partir desse ponto!

O enredo é equilibrado e com pouquíssimas considerações negativas. É dispensável, por exemplo, o exagero de Harvey Dent e sua moeda da sorte quando interroga um comparsa do Coringa em plena rua. Embora importante para mostrar que a loucura vindoura do Duas-Caras tem uma fonte ativa na psique de Dent, a situação apresentada não demandava uma atitude tão desproporcional. A computação aplicada à maquiagem do Duas-Caras completa bem o trabalho de criação do vilão e uma pequena distorção da imagem só vai ser percebida por um olhar extremamente exigente.

As franquias cinematográficas “Batman” e “O Exterminador do Futuro” têm um detalhe em comum além da participação de Christian Bale. A perícia com que o chroma key foi aplicado sobre o rosto de Arnold Schwarzenegger para compor o exterminador bonzinho de “T3” foi lapidada a ponto de tornar perfeitamente verossímil a exposição de músculos, globo ocular, fossa nasal e parte dos dentes da face desfigurada do Duas-Caras. Mas o trabalho digital não é perfeito e o fogo que destrói a face do promotor é nitidamente falso.

O resgate de um personagem tão icônico quanto o Coringa está perfeito. O figurino coloca o Palhaço do Crime elegante, mesmo usando uma combinação tão estranha quanto o roxo e o verde, que só cabe mesmo nas saturadas páginas de quadrinhos. Nolan afirmou anteriormente que não tinha a intenção de contar a origem do Coringa e com isso, acabou por aproximar o vilão ainda mais do universo das HQ´s. Nos gibis, nunca se soube quem era ou de onde vinha o personagem e isso volta à tona com um quê ainda maior de mistério. A fórmula ainda evita um confronto direto com o "Batman" de Tim Burton, que preferiu forçar a interdependência entre o Homem-Morcego e o Coringa, dando a este um nome (Jack Napier) e colocando-o na cena do assassinato dos pais de Bruce Wayne.

Heath Ledger assume de forma estupenda o papel que Jack Nicholson não queria perder. Misturando trejeitos de um punk, com movimentos típicos de um boneco de ventriloquismo ele faz um assustador palhaço flutuar ao longo da trama. Um homem inconseqüente que parece buscar a própria morte provocando o maior dano possível. Ao seu modo o Coringa consegue causar medo e risos, e se sai mais engraçado exatamente nos momentos mais bizarros, sem deixar de denotar extrema violência e desprezo alheio. Por trás de toda aquela sociopatia-psicótica existem traumas e remorsos que são pesados demais para um filme classificado para 13 anos. É óbvio que para evitar que a censura fosse maior, fez-se cortes de cenas e alguns deles são perceptíveis, em especial um momento em que o vilão está por retalhar a face de um dos bandidos. De repente, o que vemos é o homem morto ao chão. Faltou zelo do editor.

Interessante é que de certa forma Christopher Nolan reverencia o polêmico clímax do “Batman” de Tim Burton, sem enterrar uma crucial tradição da mitologia do Homem-Morcego: o perpétuo combate entre o Cavaleiro das Trevas e sua antítese perfeita. Outra boa referência pode ser testemunhada logo no início do filme: Batman dobra o cano de um rifle com uma das mãos compondo um seqüência de frames que parece saltar das páginas de quadrinhos de “O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller.

Alfred, o mordomo, convence em definitivo como o homem que assume a missão de ser a consciência e a figura paterna de Bruce Wayne. O personagem, não tem falas jogadas ao vento e sua participação na história é digna do ator Michael Caine. Gary Oldman, mantém-se bem no posto de James Gordom e consegue firmar-se como um parceiro de luta de Batman. Aaron Eckhart transita perfeitamente entre o narcisista promotor de justiça e o cármico criminoso. Maggie Gyllenhaal substitui bem a atriz Katie Holmes no papel de Rachel Dowes e mostra-se ainda mais ativa no enredo. Por fim, Lucius Fox mostra que é mais que um Agente "Q", de 007, e além de criar os aparatos de batalha do Homem-Morcego, torna-se figura chave na luta contra a criminalidade participando de missões e ainda servindo de âncora moral para Batman.

Uma das anteriores revelações de Nolan pode ser verificada não apenas em sentido prático, como também em figurado. A tragédia que torna o heróico promotor público Harvey Dent no vilão Duas-Caras é realmente o fio condutor da trama de “Batman TDK”. Mas “Duas-Caras” não chama a atenção para si apenas pela sua penosa condição física. Metaforicamente o filme apresenta paralelos à ambígua condição de Dent, o homem que é pego no meio da guerra entre dois pólos.

Enquanto a “máscara” de fútil bon vivant de Bruce Wayne quase cai durante um arriscado resgate (em uma de suas atuações “à la” James Bond), o papel do herói imparcial de Batman é colocado em xeque quando as provocações do Coringa passam a atormentá-lo incessantemente. Christian Bale é o Batman definitivo e continua o belo trabalho de ser dois em um, mostrando que, ainda que com aapenas a máscara de um playboy, ali existe um herói. Mas há outra estrela que faz Wayne brilhar em “Batman TDK”. De forma bem elaborada, o veículo Tumbler, o Bat-móvel, trás um “filhotinho” e o Bat-Pod acaba por se tornar um fetiche nos momentos em que aparece.

A população de Gotham foi conclamada a acreditar em Harvey Dent. O Batman passou a acreditar. Até mesmo o Coringa acreditou! Nós do BHQ+ acreditamos no “Duas-Caras”. Em todos os momentos em que o “meio-vilão" aparece, a impressão que se tem é de que a projeção apresenta um sujeito física e espiritualmente arruinado. A diegese permanece desde quando o “monstro” apresenta-se até o momento de sua “despedida”. E o Coringa consegue o que quer ao transformar não só um, mas os dois heróis de Gotham em vilões.

“Batman – O Cavaleiro das Trevas” é um filme explosivo, dinâmico e à altura de um mito. É uma experiência empolgante e surpreendente até mesmo para aqueles que mantiveram-se antenados com os diversos sites-virais criados, os inúmeros cartazes distribuídos, as várias imagens e os trailers divulgados. Deduzir a trama a partir das montagens dos vídeos do filme é como montar um bizarro quebra-cabeças idealizado pelo novo Coringa. Em um dos trailers há uma montagem onde o Coringa diz “E lá vamos nós!” e seguem as cenas explosivas. Mas o que acontece no filme? A surpresa definitiva.

A franquia está a salvo nas mãos de Nolan, que se mostra hábil em melhorar o que já é bom. Só haverá decepções com o Batman verossímil dos cinemas se algum outro ator ou personagem tiver a pretensão de superá-lo.

Nota do Crítico: Q Q Q Q Q

Nota do Fã: + + + + +



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A atual fase do Cruzado Embuçado no cinema é inspirada nas clássicas HQ´s "Batman O Cavaleiro das Trevas" e "A Piada Mortal". A terceira parte tem como ponto de partida "Batman - O Longo Dia das Bruxas". Leia o quanto antes.


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