Explicando "Don't Blink", Terror Filosófico


Talvez seja essa a única explicação que você vai encontrar sobre o filme Don't Blink (Não Pisque) (2014). Se existisse a categoria "Terror Filosófico" no cinema, o filme certamente pertenceria a ela. A maioria dos que assistem à película a detestam, alegando que o filme não tem final nem explica o que está acontecendo. Pois digo, há sim uma lógica no mistério que atinge a todos naquela história. 

A chave para entender o que se passa é se fixar em três coisas: nas alterações climáticas atípicas, na história de vida dos personagens e no sumiço deles, este sendo o condutor da trama. As mudanças no clima denotam que o tempo físico está dilatado, passando rapidamente. É fácil concluir que anos se passam em algumas horas. O local é distante de tudo, simbolizando o fim do mundo, onde nada que tenha algum quê de efêmero existe no limite do horizonte. Qualquer vida biológica não dura mais que um piscar de olhos nesse ambiente cujo espaço-tempo segue um curso distinto do natural. 

Os elementos principais se conectam pela fala de Alex (Zack Ward) que em certo momento descreve, em desespero, que todos estão sendo apagados (deleted). A fala dele é destacada novamente no fim da trama, na memória da última a ser apagada, Claire (Joanne Kelly). O grande ponto é que os personagens não estão morrendo, mas indo para o ostracismo. Sempre que um personagem é brevemente esquecido pelos demais, ele se esvai. Ao constatar isso, é de novo Alex quem dá a deixa para uma nova pista. Ele não quer simplesmente ser deletado. Ele quer que outros saibam da sua existência, nem que seja por sua morte suicida. É nesse ato que fica indicado que ser apagado não é sinônimo de morte. Só depois de algum tempo morto que Alex é apagado. E até os mínimos vestígios de sua breve existência são vaporizados, não sobra uma gota sequer de sangue. Isso só vai fazer sentido quando a última a sumir repensa o que ele disse sobre ser apagado da história. 

Pense agora na vida de cada um. O primeiro a desaparecer é o desconhecido de todos, Noah. Para o grupo, ele é a pessoa de menor relevância em termos de relacionamentos. É alguém que ainda não causou impacto para ser inserido na vida dos demais. Todos ali, de alguma forma, estão indefinidos, sempre no "quase". Um romance que não se completou, um casamento que não se concretizou porque o pedido ainda será feito, uma maternidade que não existe porque não foi revelada ao parceiro, alguém que ainda será uma professora, alguém que ainda precisa finalizar sua tese de doutoramento... Ninguém é nada. Ninguém completou nada, ninguém realizou nada, nenhuma contribuição foi dada ao progresso humano. Só se vê potenciais não realizados. 

Naquela história, assim como na história humana, quem não tem legado, será apagado. Essa é a mensagem chave. A metáfora é sobre realizações humanas. Serão esquecidos rapidamente pela história aqueles que não deixam nada para serem lembrados. Por isso a ordem dos sumiços importa. Fica mais tempo quem mais realizou na vida. Claire é a última a desaparecer justamente pelo caminho que trilhou, ainda que incompleto. Mesmo assim, não foi uma vida boa para ela, denotando também que viver é mais que acumular títulos. O tempo é implacável. Até o agente bam-bam-bam que vai resolver tudo sem piscar é apagado mais rápido que Claire. Não se trata de resolver muitos problemas, de ganhar méritos. Trata-se de contribuir de verdade para o todo. 

Nessa metáfora da história humana, contada no limite da existência, numa cabana no fim do mundo, só aqueles que marcaram sua passagem pela Terra, para o bem ou para o mal, serão lembrados. Até que não sejam mais. Sim, porque nem Einstein nem Hitler serão lembrados quando a humanidade não mais existir. A pequena história humana é tão insignificante que carros e casas permanecem mais tempo por aqui. "Tudo que é sólido se desmancha no ar", disse Karl Marx afirmando que cada um vai ter que confrontar sua própria realidade um dia. Na história humana, após a sua morte, em que momento você será apagado? Quando é que seus parentes e amigos vão finalmente se esquecer da sua existência? Qual seu legado? Você contribuiu com o quê? Você realizou qual feito? Você mudou o mundo ou ficou no quase, para concluir só depois do fim de semana no resort do fim do mundo? 

Don't Blink é isso. Apesar de ser um filme feito sem muitos recursos, com baixa qualidade de imagem, tem boas atuações, boa iluminação, cenário perfeito, cortes bem montados. É um excelente filme. Para muitos, um filme ruim com uma história pífia. Falta a eles entender o contexto da mensagem. Parafraseando o poeta anônimo de São Tomé das Letras, "A vida tem a cor que a gente pinta!"

Régis Soares

Don't Blink (Last Stop) - 2014
Direção: Travis Oates
Com Brian Autin Green e Mina Suvari

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