Watchmen: O Fim Discutido
sábado, 14 de março de 2009 by Régis Soares - Repórter
A equipe de marketing de "Watchmen" reuniu no material de divulgação uma série de entrevistas que estarão nos extras do DVD. Aproveitamos uma das traduções e trouxemos a explicação dos produtores e do diretor sobre a mudança do gatilho para o final do filme:
"Watchmen", a HQ, contém um dos mais icônicos finais para uma história, seja nos quadrinhos, no cinema ou na literatura. Ozymandias não é um vilão (?) como os habituais que revelam os planos e se dão mal. "O que você acha que eu sou? Um vilão de seriado antigo? Você realmente acredita que eu explicaria meu plano mestre se houvesse a menor possibilidade de você afetar o desfecho? Eu o realizei 35 minutos atrás", relata Adran Veidt a Rorschach.
Ao invés de usar a lula gigante com cérebro de paranormal, os roteiristas David Hayter, Alex Tse e o diretor Zack Snyder optaram por usar uma bomba que simula os poderes quase divinos do Dr. Manhattan. Em suma, o dilema final é mantido, mas um elemento querido pelos fãs se perde.
A troca contou com a ajuda do ilustrador da HQ Dave Gibbons: "Eu fiz o storyboard dela. Zack queria ver como eu teria desenhado aquela sequência se ela tivesse sido publicada. Então eu fiz alguns cenários e quadros como referência, umas três páginas, como Laurie e Manhattan chegando a Nova York devastada. Gostei bastante de fazê-lo e o resultado no filme ficou muito parecido com o que desenhei". Para Gibbons, a alteração funciona muito bem: "As opções de David Hayter transformaram o filme em um todo orgânico e não em uma mera substituição para a criatura extradimensional. Gostei muito".
Zack Snyder lamenta a ausência da lula, mas acredita que removê-la foi um mal necessário. "Eu sou um fã da lula. Eu gosto mesmo. É bacana demais. Mas para introduzi-la teríamos que mostrar muitas tramas paralelas, o que levaria pelo menos 20 minutos, tempo que seria cortado do desenvolvimento de personagens ou outros elementos mais importantes. Então fizemos as alterações, mas ao mesmo tempo muito preocupados com a integridade da mensagem final".
Para o diretor, tornar o Dr. Manhattan o instrumento da destruição foi uma solução "elegante". "Fica a ideia do inimigo em comum das duas superpotências que estão na iminência de uma guerra nuclear que acabará com o planeta. E esse inimigo sendo Deus me pareceu uma ideia boa demais pra ignorar. 'Deus nos traiu', adoro isso. E também dá um encerramento tão bom para a história do Dr. Manhattan... ele é meu personagem favorito, então minha tendência foi me preocupar um pouco além do que deveria com ele".
"Em segundo lugar, o mundo de Watchmen é tão envolvente porque é próximo demais do nosso", afirma o roteirista David Hayter. "Há apenas um elemento de magia nele, que é a existência do Dr. Manhattan. Ele é quase onipotente, o que é um elemento central da história. O problema é que, no final da HQ, você é apresentado a um novo elemento mágico, que é a lula interdimensional. Esse elemento requer, mesmo na graphic novel, um enorme esforço de criação: o sequestro do autor de quadrinhos, as pessoas na ilha... ele exige uma enorme trama paralela que contém informação demais para ser absorvida em um filme. Então meu objetivo foi tentar achar uma saída para honrar todos os critérios do final, o mesmo efeito do final da HQ, mas usar elementos que já tinham sido devidamente apresentados previamente".
A produtora Deborah Snyder, esposa do diretor, comenta. "O que é o final? O final é a lula ou o final é Adrian Veidt matando milhões para salvar bilhões e o debate se isso é certo ou errado? Para nós, a segunda opção era mais importante - e ela não necessariamente precisa da lula para funcionar".
"O resultado do evento que acontece ao final é idêntico ao da graphic novel", garante o roteirista Alex Tse. "Só muda o mecanismo. Nos dois casos a catástrofe é causada - presumidamente - por uma terceira força, algo assustador e muito poderoso. E a decorrência imediata do ataque é a mesma, a união dos povos do mundo contra essa força", alega.
"Os fãs me atacaram meses antes da estreia por mudar o final sem ter visto o que fiz - e não se ligaram que eu fiz o filme , mais do que qualquer outro filme na história foi feito, para eles", diz Snyder. "Eu não mudei o final. Mudei apenas o mecanismo como o final acontece. E posso garantir que a verdadeira luta não foi se deveria haver ou não a lula, mas se Adrian viveria ou não. Essa foi a briga com o estúdio. Eles não achavam que o cara que acabou de matar milhões deveria sair vivo", revelou o diretor. "Ele mudou o mundo, talvez para a melhor, talvez não - e esse é o grande dilema de Watchmen. O estúdio demorou muito pra entender isso, me pediu moralidade melhor definida, ao que eu respondia 'esse é o livro que vocês querem adaptar'. Ele incita o debate".
Produtor da adaptação por mais de dez anos, Lloyd Levin está aliviado diante das outras possibilidades para o final: "Nesses 20 anos, muitas ideias de finais diferentes foram apresentadas. Alguns tinham viagens no tempo - com Ozymandias impedindo o surgimento do Dr. Manhattan -, outros eram exclusivamente sobre o mistério de quem é o assassino e outros tinham Adrian sendo morto... o que seria ridículo. Tudo o que queremos com o final é a discussão se Adrian estava certo ou errado e matá-lo colocaria um fim nisso".
A substituição da lula pela bomba também exigiu a criação da colaboração entre o Dr. Manhattan e Ozymandias, algo que David Hayter lembra ter apenas desenvolvido. "Quem teve a idea foi Paul Greengrass, que estava no projeto antes de Zack Snyder. Foi ele que parou pra pensar em como a entidade mais poderosa e o homem mais inteligente do planeta deveriam colaborar buscando a solução para o maior problema da humanidade: a criação de uma fonte de energia renovável". A ideia foi incorporada ao novo final, honrando o personagem vivido por Matthew Goode, que era o homem mais poderoso do mundo até o surgimento do Dr. Manhattan, e volta a sê-lo ao usar essa poderosa criatura sobrehumana. "Essa ideia vai ao encontro de uma característica principal do personagem, que é o grande ego, seu desejo narcisístico de ficar acima de todos", explica.
Para Hayter, há ainda outro aspecto crucial na mudança do final, da lula para uma bomba tão poderosa que desintegra a cidade. "O 11 de Setembro aconteceu um dia depois de eu ter assinado o contrato para escrever o filme. Então senti que havia uma diferença enorme entre ver a Times Square devastada com corpos mutilados em 1985 e ver a mesma cena, com atores reais, em um filme, em 2000 e pouco. Espero que algumas pessoas que ainda estão céticas em relação a isso vão ver o filme e possa dizer 'ficou bastante costurado na história e fiel à proposta do final do livro'. Mas eu sei que os puristas jamais aceitarão a ausência da lula. O final que temos funciona de maneira mais amigavel para a história que adaptamos ao cinema. Mas tudo bem, há uma discussão saudável aí... estou muito feliz com o final do filme. Não é vendido de maneira alguma para uma ideia fácil, é apenas mais amarrado com a história que já estávamos desenvolvendo. Ao fazer isso, espero estar honrando o próprio Alan Moore. Também é bom deixar claro que nunca, mas nunca, foi minha intenção mudar o final simplesmente por mudar", conclui o roteirista.
Dave Gibbons também se preocupa com as semelhanças filosóficas e visuais entre a obra e o 11 de Setembro. "O 11/9 foi um evento catastrófico real, sim, e uniu temporariamente pessoas de raças e religiões distintas. O problema é que a abordagem oficial foi tão equivocada que acabou tornando as coisas muito piores. Claro, a analogia não é exatamente perfeita - na HQ são duas facções opostas e uma terceira atacante -, mas aquelas cenas de destruição foram estranhamente parecidas com as de Watchmen", acredita. Mas isso quer dizer que o plano de Ozymandias se executado no mundo real não funcionaria? "Essa é a graça da história. E quem sabe se o plano funcionou mesmo na HQ? E se funcionou, será que aquele jornal publicou a história de Rorschach? E se publicou? Alguém acreditará neles? O final é a prova de que não importa o quanto você planeje as coisas, sempre haverá eventos aleatórios inesperados que podem mudar tudo...", instiga o quadrinista.
BHQ+ Comenta:
Zack Snyder alega que seria difícil usar a lula-alien. Qualquer roteirista iniciante faria isso com alguns minutos a mais no filme. Bastaria inserir nas explicações de Ozymandias as referências aos cientistas contratados, a descoberta do plano pelo Comediante e a explosão do navio com os criadores da lula para encobrir o plano e sobrepor cada citação com breves imagens das pessoas trabalhando no projeto, do navio explodindo e do Comediante sobrevoando a ilha onde eles trabalhavam. E ao invés de criar a computação para a bomba, faria-se para o monstro gigante. Sem ter que filmar longas sequências, estaria tudo lá.
Fato é que, seja com bomba ou com lula gigante, "Watchmen" ganhou vida nas telonas. E é só a primeira vez, já que uma refilmagem certamente acontecerá. Não nos próximos anos, mas daqui a uns 20 ou 30, quando a versão de Snyder estiver velha. Será melhor ou pior? Quem estiver vivo para assistir de novo saberá.